
A memória implícita envolve partes do Sistema Nervoso que não necessariamente requerem processamento consciente durante a codificação ou a recuperação: circuitos neuronais fundamentais para as experiências cotidianas, que já estão prontos e funcionais no nascimento, e fazem parte da fundação do nosso senso subjetivo: as estruturas envolvidas são, principalmente, a amígdala, gânglios da base e cerebelo, e substância negra.
Através das experiências repetitivas do dia a dia do bebê, este vai sendo capaz de diferenciar, de detectar semelhanças e diferenças naquilo que experimenta, pela ação das estruturas citadas, e vai formando modelos mentais do mundo e de si mesmo no mundo. Estas generalizações são as primeiras formas de aprendizado, que ajudam o bebê a interpretar os acontecimentos e antecipar suas consequências. Formam-se, logo de início, padrões de expectativas e de percepção, uma vez que a memória dos acontecimentos vividos e repetidos nos faz funcionar de forma seletiva, integrativa e interpretativa. A todo momento o cérebro tenta entender o que está acontecendo – interpretar – classificar essa experiência em termos de um modelo mental, que automaticamente seleciona que estímulos serão priorizados para a percepção, facilitando a resposta. Quando Mariana joga o sapatinho tentando parar o trem, por exemplo, ela está tentando por em prática alguma relação de causalidade que inferiu ao observar como o mundo funciona.


A memória implícita é a forma mnêmica predominante dos primeiros anos de vida, mas persiste ao longo da vida toda, formando o tom básico do sentimento de si mesmo no mundo, que é o que Jung definiu como complexo: sistemas de imagens ou sentimentos que fazem com que a percepção da realidade e os afetos que a ela se relacionam sejam determinados por padrões inconscientes.
No primeiro aniversário da criança, estes padrões repetidos do aprendizado implícito já estão fortemente codificado no cérebro. Com a cronificação disso, passam a se tornar traços de personalidade. Mariana descreve isso quando relata sua experiência com a boneca desejada, e as articulações para ser fotografada com ela, dentro de uma atmosfera emocional que inaugura uma época sem sorrisos. Assim, nossas vidas podem ser formadas por reativações de padrões de memória implícita ou, na linguagem da Psicologia Analítica, por ativações de complexos, sem que percebamos que algo está sendo evocado. Nós simplesmente entramos em determinados estados emocionais, e os experimentamos como uma realidade de experiência do momento presente, sem percebermos que se trata da reativação de um padrão.
Aos 18 meses, na mesma época em que a maturação de várias partes do cérebro já permite a compreensão e a expressão da linguagem, as porções frontais estão se desenvolvendo rapidamente, oferecendo condição para que uma nova forma de memória se associe à anterior: a memória explícita ou evocativa, na qual a criança consegue trazer fatos à mente, com registros de si mesma e sua atuação no mundo interno, assim como de suas emoções ou intenções no momento, como por exemplo, o evento relatado por Mariana de brincar com o chapéu do avô, com os jogos de aparece-esconde do mundo e as posteriores consequências de não enxergar seus passos.
As memórias explícitas organizam-se sobre a tessitura dos padrões implícitos. O conhecimento destes, associado à conscientização dos padrões que determinam o mosaico de memórias explícitas que formam nossa narrativa de vida, nos dá a oportunidade de nos libertarmos das amarras do passado. Um cérebro vivo, em constante transformação, forma o substrato de uma psique capaz de individuar, entendendo aqui a individuação como o melhor desenvolvimento possível dos potenciais de cada um.
Referências:
KNOX, J. The relevance of attachment theory to a contemporary Jungian view of the internal world: internal working models, implicit memory and internal objects. Journal of Analytical Psychology, n.44, 511-530, 1999.
SIEGEL, D. The Developing Mind. The Guilford Press, London 1999.
Ana Maria Galrão
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