"MARIANA nos convida para uma interessante jornada, emprestando-nos “seu olhar” para mostrar,
através da narrativa de seus pensamentos, sentimentos e emoções, tudo que existe além das “DIS-HABILIDADES”.
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segunda-feira, 15 de abril de 2013

Morte e Vida


Meu coração está apertado! Não há meios de fazer Vovó despertar!
- “Vovó querida!” – sussurro, com um nó na garganta, enquanto acaricio seu rosto, seus cabelos, suas mãos… mas ela não reage; permanece em sono profundo, como a Bela Adormecida. Parece que não quer acordar nunca mais.
O médico diz que ela entrou em coma e logo vai nos deixar. Não quero acreditar no que ele diz! Não quero que Vovó vá embora!

Começo a me lembrar do dia em que Mamãe me contou que o avô da minha amiguinha tinha morrido. Eu devia ter uns 5 anos de idade e pela primeira vez ouvia falar em morte. Pelo tom de voz de Mamãe, percebi que devia ser alguma coisa muito grave… e triste também. Passei vários dias tentando entender o significado daquilo, mas parecia algo profundo demais para mim, fora do alcance da minha compreensão. Então resolvi falar com Vovó. Ela sempre esclarecia as minhas dúvidas.
- “Vovó!… O que é morrer?”
- “Morrer é dormir para sempre.” – ela respondeu sem pestanejar.
- “Para sempre?!” – perguntei, incrédula – “Como assim? Não acordar nem pra fazer xixi?… Nem pra comer?”

Vovó sorriu pacientemente e continuou com sua doçura habitual:
- “Minha Flor, quando a gente morre, o corpo para de funcionar, então não precisa mais comer, nem fazer xixi, nem nada.”
- “Então, é melhor levar a gente pro ferro velho, né?” – conclui séria, lembrando-me da batedeira que Mamãe tinha acabado de levar para o ferro velho, porque havia parado de funcionar e não tinha mais como ser consertada.

Vovó teve um acesso de riso e mudou de assunto. E assim, durante muito tempo fiquei sem saber o que era feito das pessoas que morriam. Será que existia algum depósito de gente morta? Ou será que elas desapareciam? E, se desapareciam, será que sumiam para sempre ou será que iam aparecer em outro lugar?

Agora vejo Vovó nesse estado e tenho vontade de lhe fazer um monte de perguntas… É verdade, Vovó, que quando a gente está em coma, não escuta nada, não sente nada, não percebe nada do que está acontecendo à nossa volta? É verdade que você não sabe que estou aqui? Que não está sentindo o meu carinho por você e a vontade que tenho que você acorde e volte a ser aquela Vovó viva e amorosa de sempre?


Mas Vovó não responde. As lágrimas jorram dos meus olhos, enquanto deito meu rosto delicadamente sobre seu peito, para ficar ouvindo as batidas suaves do seu coração e ter a certeza de que ela ainda está ali comigo.

Então, ouço! Sim, ouço as batidas, mas ouço também a voz da Vovó! Ela não está mexendo os lábios, mas está falando comigo! Parece que a voz sai do seu coração!
- “Minha Flor…” – diz ela carinhosamente – “Não se entristeça. Vovó está muito bem! Estou indo para um lugar tão lindo! Você nem pode imaginar! Na verdade, pode sim, pois já esteve lá muitas vezes em sonho. Lá não existe dor, não existe doença, nem velhice, nem tristeza, nem maldade… só amor, alegria e beleza!”
- “Mas, Vovó, você vai ficar sozinha, longe da gente!” – falo baixinho, sentindo antecipadamente as saudades que ela vai deixar em mim.
- “Pois não estou dizendo que você já esteve lá em sonhos? Eu também já estive e todo mundo pode ir para lá enquanto está dormindo. Então, vamos nos encontrar sempre que quisermos!”
- “Será possível?!” – penso, com uma pontinha de esperança, mas não digo nada.

Vovó continua:
- “As pessoas que se amam de verdade nunca se separam. O amor une-as por toda a eternidade. Mesmo que você não esteja me vendo e eu não a esteja vendo, o amor que existe entre nós permite que haja uma comunicação. Na verdade, o amor é a própria comunicação…” – Ela faz uma pausa, como para me deixar assimilar o que acabo de ouvir, e então prossegue:
- “Veja agora, por exemplo, como você acha que estamos nos comunicando, se meu corpo já não está funcionando mais?”

Levanto ligeiramente a cabeça e olho para o rosto dela. Continua totalmente inerte. Mas percebo que está muito mais pálido do que antes. Volto a colocar meu rosto sobre seu peito e não ouço mais as batidas do seu coração.
Ela se foi! Mas, para minha surpresa, a vontade de chorar passou. No seu lugar, sinto uma enorme paz e um amor imenso!

Continuo debruçada sobre o peito da Vovó e ainda ouço a voz do seu coração que me diz:
- “Já não estou mais neste corpo, Minha Flor. Na verdade, nunca fui este corpo, assim como você não é o seu. Por isso podemos nos encontrar independentemente deles.”
Então parece que a ouço dar uma das suas risadinhas marotas, enquanto diz:
- “Mas se resolver levar este corpo para o ferro velho, faça isso com muito respeito e gratidão, ouviu?!”

E voltando ao tom um pouco mais sério, ela prossegue:
- “Se não fosse ele, como eu poderia tê-la carregado no colo quando você era bebê? Como poderíamos ter nos abraçado tantas vezes? Como poderíamos ter dado tantas risadas juntas? O tempo dele se esgotou, mas ele foi de grande utilidade, não é? Agora estou começando uma vida nova num belo corpo de luz, um corpo tão lindo que eu mesma estou me achando maravilhosa! Vamos celebrar?”
- “Vamos, Vovó!” – respondo feliz, na certeza de que a Vovó não foi embora para sempre, mas apenas ficou invisível aos meus olhos… mas totalmente visível para o meu coração.


Escrito por Vera Corrêa ©

2 comentários:

  1. Que lindo.. Me emocionei! :)

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  2. Que lindo, Vera! Acabei conseguindo abrir, para minha emoção e alegria e da minha sobrinha Elisa, que está aqui comigo. Ela leu para mim como se fosse a menina e todas nós tivemos uma avozinha que nos despertou os mesmos sentimentos! Estamos hoje mais próximas, como avós, de despertar estas emoções nos nossos netos. Gostaria de ser lembrada como esta avozinha o foi, com carinho, admiração e muito amor. Abraços carinhosos. Maria José.

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