"MARIANA nos convida para uma interessante jornada, emprestando-nos “seu olhar” para mostrar,
através da narrativa de seus pensamentos, sentimentos e emoções, tudo que existe além das “DIS-HABILIDADES”.
------------------------------------------------------------------

Pesquisar neste blog

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Dias Chuvosos

Dias chuvosos e férias sempre foram duas coisas difíceis de administrar pelas mães. E não foi diferente para minha mãe. São Paulo era uma cidade onde garoava muito, daí o apelido que acabou ganhando. Aquela chuvinha fina, que não tinha fim, deixava molhados todos os sapatos, as roupas não secavam no varal, o céu era cinza, dias e dias como se estivéssemos em Londres. Passeios eram adiados, brincadeiras canceladas, visitas desmarcadas. 

As crianças irrequietas, desassossegadas, presas dentro de casa, compulsoriamente, com tanta energia contida e sem ocupação, tudo isso transformava as férias de verão, sem viagens, numa tormenta tanto para as mães, quanto para os filhos. 

Criamos em casa algumas brincadeiras feitas na sala, como brincar com o jogo de xadrez do meu pai, sem que ele soubesse, acobertados pela mamãe. Meu pai havia dado ao meu irmão a sua coleção de bolinhas de gude, umas duzentas, que aproveitávamos de várias maneiras. A preferida era subir até o topo da escada, que ligava aos quartos, na parte superior da casa, e de lá lançar as bolinhas, numa linda cascata colorida, barulhenta, maravilhosa, que se esparramava pelo chão da sala. Era catar tudo e começar de novo. Não preciso contar que a coleção durou pouco; a cada corredeira de bolinhas de gude pela escada, várias se quebravam, deixando cristaizinhos coloridos e delicados pelo caminho. 

Jogávamos pega-varetas, oportunidade que meu irmão usava para roubar um pouco, sempre dizendo que as varetas não haviam se mexido. Engraxávamos todos os sapatos do papai, para tentar ganhar alguns trocados. Pulávamos pela casa, correndo como loucos, inclusive sobre os sofás da sala. Foi numa dessas brincadeiras que meu irmão caiu sobre uma mesinha da sala com tampo de vidro e cortou o pulso, indo parar no pronto socorro e levando quatro pontos. Minha mãe contava histórias sobre as poucas viagens que havíamos feito quando éramos bem pequenos, e nós adorávamos ouvir as mesmas histórias repetidas vezes. Ela arrebentava pipocas, que comíamos alegres, acompanhadas de groselha. Refrigerante era coisa só para festas. Outro passatempo meu era desfilar pela casa com roupas e sapatos de minha mãe. Não sei como não me arrebentava, pois descia as escadas com saltos altos, num sapato pelo menos um cinco números maiores que o meu na época, e roupas que se arrestavam pelo chão. 

Mas nosso passatempo preferido dentro de casa era a montagem de cabanas na sala de jantar. Mamãe emprestava vários cobertores e colchas, alguns travesseiros, e assim nascia uma cabana, usando a mesa e as cadeiras da sala de jantar como suporte. Lá dentro passávamos o maior calor, coisa a que criança parece não ligar, e ficávamos deitas de costas conversando e vendo as figuras do Mundo da Criança, coleção que existe até hoje: levávamos para lá nossos brinquedos; eu, minha boneca Exegese, meu irmão, seu urso amarelo. Caixas com bugigangas, joguinhos, mais panos. Assim passávamos horas entretendo-nos com pouca coisa, mas a sala transformada numa bagunça incrível. Gostoso é lembrar que minha mãe tinha muita paciência com a nossa desordem, e ao contrário de brigar nos ajudava a deixar a cabana mais confortável. E depois, pacientemente, guardava tudo sozinha, sem reclamar. 

A cabana trazia um sentimento de aconchego e paz, de tranquilidade e retiro para um mundinho que era só nosso. Os adultos não caberiam dentro delas? Guardo até hoje aquela sensação, de estar ali só com meu irmão, numa comunhão de risadinhas, rodeados por cobertores coloridos, que filtravam a luz, dando ao ambiente uma aura de magia e encantamento. Lembro-me, até hoje, que um dos cobertores era amarelo e um outro, xadrez de branco e marrom. Era simplesmente uma delícia. 

Tenho pena das crianças que foram proibidas de brincar à vontade dentro das suas próprias casas, ou por falta de espaço ou por excesso de cuidados com os móveis ou objetos de decoração. A nossa casa sempre foi cheia de liberdade e calor humano, de bem estar e paz. Uma casa que fazia com que gostássemos de lá estar; apreciávamos tudo e não chegávamos a nos entediar nunca. O ambiente sempre foi alegre e feliz. Graças aos pais maravilhosos, que nos educaram com rigor, mas com o sentimento de que em casa éramos amados, livres e satisfeitos. 

Escrito por Eloísa Falcomer

Um comentário:

  1. Mariana, espero que voce tenha gostado dos meus passatempos preferidos para os dias de chuva! Quais são os seus?
    Voce não gostaria de vir aqui em casa brincar comigo qualquer dia destes? Daí posso apresentar a Exegese (minha boneca) a voce e tomaremos lanche juntas. Também queria que voce conhecesse o Max, meu fox-paulistinha-maluco!!!
    Beijinhos
    Maria Cecília

    ResponderExcluir