"MARIANA nos convida para uma interessante jornada, emprestando-nos “seu olhar” para mostrar,
através da narrativa de seus pensamentos, sentimentos e emoções, tudo que existe além das “DIS-HABILIDADES”.
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segunda-feira, 17 de junho de 2013

Conta-reconta: A menina que morreu

História Original: A menina que morreu
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Tem uma cantiga de roda que diz: "Samba-lelê tá doente/ tá com a cabeça quebrada/ Samba-lelê precisava/ é de umas boas lambadas"

Quando menina, descobri uma prima mais ou menos da minha idade. Ela era muito branquinha, de bochechas sardentas e um cabelo castanho bem escuro e olhos cor de mel, fundos como os de meu pai. A primeira vez que me levaram para brincar com ela fiquei encantada com a casa. Parecia uma casa de contos de fadas, com sofás e cortinas de veludo, tudo muito diferente do estilo clean de casa. E para completar tinha uma longa escada de mármore com passarela cor de vinho. Achei aquilo o máximo. 

Minha prima adorava sentar na escada e bater papo. Mas nesse primeiro dia ela me chamou para subir. Lá em cima, não resisti e olhei para baixo apoiada no corrimão. Desde pequena adoro espirais de escadas. Ela me advertiu dizendo: 
- Cuidado, o meu irmão Zeca fez isso que você está fazendo e o botão da jaqueta dele ficou preso no corrimão, ele foi soltar, não conseguiu, bateu a cabeça no degrau e rolou ela inteirinha. Ele quebrou a cabeça e teve de ir para o hospital! 

Eu fiquei muito impressionada com aquilo. E não é que dali a pouco ele passou gordinho na sua jaqueta laranja todo prosa e me disse um oi de olhinhos puxados, bochechas rosadas, andar quinze para as três e de cabeça completamente coladinha? Achei ele um fofo. Eu achei lindo saber que cabeça é algo que se conserta e fica direitinho, redondinha, com cabelo e tudo. Nem parecia que um dia tinha quebrado. Aí ela completou: 
- Depois do tombo dele, minha mãe pôs essa passadeira cor de vinho na escada. Escada branca que já viu muito sangue. 

De repente passa a escada com passadeira cor-de-vinho. Nesse dia pensei comigo: minha tia é meio esquisita... Se fosse eu tinha posto uma cor de caramelo ou amarelinha, ora. Nesse dia aprendi que quem quebra a cabeça não tem de levar lambada nenhuma e sim ir para o hospital, que era um lugar totalmente desconhecido para mim no auge dos meus cinco anos. 


Escrito por Ana Lúcia Brandão

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Desenhando com limão


Quando pequena, que, aliás, continuo sendo, minha mãe nos ensinou a escrever e desenhar com suco de limão, usando um palito de dentes. Depois de tudo seco colocávamos sobre o fogo, no fogão ou numa vela, e magicamente surgia da aparente transparência tudo o que havíamos desenhado. Era fantástica, sempre uma surpresa total, pois ao fazermos os traços tudo era transparente e não tínhamos controle do que estava sendo feito. Apenas o pequeno brilho do caldo do limão e a memória do que a mão havia determinado este exercício de memorizar o espaço, e o que, e onde havíamos rabiscado, ativava minha mente e fazia meus olhos trabalharem em conjunto com a mão e a mente. 

Sentia-me aflita quando não lembrava por onde já havia passado o suco do limão. Às vezes também escorria um pouco, e não adiantava secar com um pano, o limão já estava impregnado no papel; noutras o palito secava quase totalmente, mas não podíamos ter certeza se algo havia sido marcado nas folhas de papel ou não.

O aroma delicioso do limão inundava o ar da cozinha.

Na hora de colocar para queimar ficávamos com o olhar preso ao fogo e ao papel, com os olhos bem próximos, tentando adivinhar o que resultaria. Aos poucos ia se delineando a obra prima, trazendo à luz o enigma! Muitas vezes, na ânsia de ver logo surgirem os traços, acabávamos colocando fogo em todo papel. Era sempre um susto! Na tentativa de apagar o fogo no papel assoprávamos... só piorava!

O cheiro de papel queimado passeava por nossas narinas.

Lembro-me que ficava pensando sobre a possibilidade de escrever cartas secretas, contendo instruções, declarações, adivinhações. Talvez um dia quando precisasse enviar uma mensagem em segredo a alguém, poderia lançar mão deste recurso. Os grandes enigmas são fascinantes, em qualquer idade. Todos ignorariam que o papel continha algo nele impresso, pois a aparência era de estar em branco. E apenas quem conhecesse o truque poderia desvendar os mistérios ali contidos.

Gostávamos meu irmão e eu, de mostrar isso aos nossos amiguinhos, Fernando e Marcio, e até mesmo a MARIANA muitas vezes participou conosco destes momentos. Dedico a ela estas lembranças.

Hoje, ao tentar repetir a façanha, percebi que apesar do passar dos anos e do aparente aumento da coordenação motora, o descontrole sobre o resultado da aparição do desenho é o mesmo. E quase coloquei fogo na cozinha novamente. Bateu uma grande saudade da infância!


Escrito por Eloísa Falcomer
São Paulo, 1 de junho de 2013.